quarta-feira, 1 de julho de 2015

VÓRTICE

"Tens de amar a vida. A tua arte depende disso. É um vórtice. Precisas do teu palco para te transpores, mas para que o palco seja sentido a fundo tens de estar apaixonada pela vida, só assim tem verdade. Porque as tábuas merecem que te melhores sempre, que saibas sempre mais, que tenhas a cada dia novas referências e metas e aspirações, e não podes parar. E tu só não paras se amares a vida. És movida a amor. Sem isso não vale a pena. E então tens todos os dias de te reinventar – é esse o teu ofício, porque dele depende o teu amor e, por conseguinte, a tua arte. E da tua arte depende um pulsar com sentido. É uma corda-bamba, mas o equilíbrio desmotiva-te. O conforto inebria-te. E então procuras dia após dia a sensação limite, o declive máximo. É aí que fazes por te manter, sem deixares de te desconstruir. No ponto de viragem, perpétuo e inconsistente. Onde se torna quase inevitável cair, porque sem a queda deixas de querer levantar-te. Só amas a vida correndo o risco de te desligar dela, porque sem altos e baixos não sabes ser mais que corpo. E corpo não chega. Então mantém o risco, mantém a mudança. Mantém a falta de ar e, acima de tudo, a sede. Sem sede acabas tu. Porque sem sede não tens tábuas, sem tábuas – vazio. Mantém a inconsistência e a desumanização, e deixa sempre fragmentos e cacos e pontas soltas. Só assim correrás atrás de ti todos os dias, sem perderes a meta. Então ama e descobre e rasga e alucina. Então grita e dissipa e estilhaça e transcende. Então abraça o menos, para poderes ser sempre mais. Então apaixona-te todos os dias por um horizonte diferente. E insiste em amar os cantos mais estranhos do teu refúgio de vento. Porque o sem-nexo alimenta-te. Então sente a corda-bamba e anda e corre e cai e voa e volta a andar e a cair de novo. Porque só assim vives. Só assim amas. E só assim terás o teu palco." - por Inês Marto

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